Posicionamento é oscilante, mas recente precedente da Câmara Superior demonstra restrição na interpretação de regras.
A Constituição Federal de 1988, tendo por base valores tais como a dignidade da pessoa humana, estabelece o Plano de “Participação nos Lucros e Resultados” – PLR como direito do trabalhador, visando à melhoria de sua condição social, nos seguintes termos:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei.”
No entanto, o PLR deverá ser instituído nos termos da Lei nº. 10.101, de 19 de dezembro de 2000, a qual determina, principalmente em seus artigos 2º e 3º, as regras para o pagamento da participação nos lucros, sendo as seguintes 3 (três) determinações básicas para a implantação do benefício:
(i) a negociação deverá ser feita entre a empresa e seus empregados, mediante acordo coletivo ou comissão paritária escolhida entre as partes;
(ii) o PLR deverá conter regras claras e objetivas, e
(iii) o sindicato deverá participar nas negociações e o arquivamento do deverá ser feito no sindicato competente.
Com relação ao item (i), a negociação poderá ser feita por meio de (a) comissão escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria ou através de (b) convenção ou acordo coletivo.
Em caso de comissão escolhidas entre as partes, importante salientar que tal comissão deverá ser regularmente criada através de eleição de membros, votação, etc.
Além disso, em caso de comissão escolhidas entre as partes, houve uma alteração na legislação para determinar que tal comissão seja paritária (mesmo número de representantes do empregador e de representantes dos empregados).
Com relação ao item (ii), é importante destacar que a Lei nº. 10.101/01 determina como critérios a serem adotados para a aferição da participação de cada empregado, dentre outros, a produtividade, a qualidade do serviço prestado ou a lucratividade da empresa.
Em suma, a Lei determina que no regulamento do PLR deverão constar regras claras e objetivas, especialmente quanto (a) à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas; (b) ao cumprimento do acordado; (c) à periodicidade da distribuição; (d) ao período de vigência; e (e) prazos para a revisão de acordo, dentre outros requisitos.
Com relação ao item (iii), destacamos que os representantes do sindicato deverão participar das negociações para a distribuição do PLR, independentemente da forma de celebração do referido acordo (acordo coletivo ou comissão entre as partes).
Ainda, o instrumento de acordo deverá ser arquivado no sindicato competente de cada localidade, a despeito de haver precedentes no sentido de que seria possível a participação do sindicato apenas da matriz, desde que a comissão paritária seja composta por empregados de todas as localidades ou por eles eleitos/indicados.
Nesse particular, é comum verificar a existência de Acordos de PLR que estipulem metas globais para cada estabelecimento e/ou para a empresa como um todo, outras metas para certos grupos de empregados, bem como certas regras e metas a serem formalizadas em documentos apartados, especialmente por se tratarem de trabalhadores e metas estratégicas, bem como que envolvam questões sigilosas.
Normalmente, apesar de apartadas, tais regras são conhecidas por todos os empregados a elas submetidos, com política específica, por exemplo.
Com relação à esta particularidade, cumpre citar que a Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF havia proferido decisão, em 2014, antes dos impactos da Operação Zelotes, em que restou consignado que a existência de regras em documentos em separado não desnatura a natureza do pagamento de PLR, verbis:
“(…). PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. EXISTÊNCIA DE ACORDO PREVENDO REGRAS PARA PAGAMENTO DA VERBA. MAIOR ESPECIFICIDADE EM SISTEMA DE GESTÃO DE DESEMPENHO DA PRÓPRIA EMPRESA. VALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES.Constatando-se que a empresa concedeu Participação nos Lucros e Resultados com base em Acordo Coletivo com a explicitação de regras claras e objetivas, não há se falar em incidência de contribuições previdenciárias, ainda que a contribuinte tenha instrumentalizado aludido regramento em ato próprio denominado Sistema de Gestão de Desempenho, o qual contempla com maior especificidade as condições e fórmula de cálculo para concessão de referida verba, mormente quando fora devidamente informado aos beneficiários, os quais tem comissão permanente para tratar da matéria. Recurso especial negado.” (Acórdão 9202003.105 – Processo Administrativo nº. 35884.003885/200689 – Data de Julgamento: 25.03.2014 – Câmara Superior de Recursos Fiscais).
Assim, verifica-se que, no passado, a CSRF entendia que este tipo de regra em apartado não contaminava a efetiva participação e anuência do Sindicato competente na negociação.
Contudo, recentemente, mais especificamente em junho de 2019, aparentemente em alteração ao entendimento que vinha se consolidando, a CSRF proferiu o acórdão nº. 9202007.940 passando a adotar interpretação absolutamente restritiva em relação aos critérios para validação de um PLR.
Com efeito, a Câmara Superior do CARF entendeu, a partir de decisão firmada por voto de qualidade, que “a ausência de membro do sindicato representativo da categoria nas comissões constituídas para negociar o pagamento de PLR implica descumprimento da lei que regulamenta o benefício e impõe a incidência de contribuições previdenciárias sobre os valores pagos a esse título”.
Apesar de a redação da ementa não demonstrar claramente, cumpre esclarecer que, no referido caso concreto, o que motivo a autuação fiscal não foi a ausência de participação do sindicato na negociação do plano de PLR, mas sim a interpretação de que a participação do sindicato não foi suficiente para atingir aqueles empregados que possuíam regras e metas detalhadas em documento apartado. Conforme exposto no voto condutor “é incontroverso que não houve participação de representante do sindicato dos trabalhadores na comissão que ajustou os termos para o pagamento de PLR aos empregados ocupantes de cargos de direção e gerência no período de apuração objeto do lançamento. Claro está, portanto, que restou descumprida a regra insculpida no inciso I do art. 2º da Lei nº 10.101/2000”.
Esta mudança de interpretação da Câmara Superior do CARF e clara guiada ao posicionamento absolutamente fiscalista tem se mostrado muito intensa no que tange à análise dos planos de PLR, sendo outro claro exemplo a alteração de interpretação quando à data de assinatura do plano de PLR. Isto é, enquanto até 2015 a Câmara Superior do CARF entendia que a data da assinatura deveria preceder qualquer pagamento, a partir de então a Câmara Superior do CARF passou a entender que a data de assinatura do plano deve anteceder o início de sua vigência.
Felizmente, em agosto passado, o CARF não aprovou a proposta de Súmula que consolidava este entendimento absolutamente restritivo e, muito vezes, exagerado sobre a data de assinatura.
Não obstante a constatação desta evolução da jurisprudência da Câmara Superior do CARF em sentido fiscalista, restritivo e desestimulador ao pagamento de PLR, importante destacar que o cenário no Poder Judiciário é muito mais flexível.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já proferiu decisões indicando que o registro do Acordo de PLR no sindicato é modo de comprovação dos termos da participação, a exemplo do abaixo:
“(…).
4. A intervenção do sindicato na negociação tem por finalidade tutelar os interesses dos empregados, tais como definição do modo de participação nos resultados; fixação de resultados atingíveis e que não causem riscos à saúde ou à segurança para serem alcançados; determinação de índices gerais e individuais de participação, entre outros.
5. O registro do acordo no sindicato é modo de comprovação dos termos da participação, possibilitando a exigência do cumprimento na participação dos lucros na forma acordada.
6. A ausência de homologação de acordo no sindicato, por si só, não descaracteriza a participação nos lucros da empresa a ensejar a incidência da contribuição previdenciária.
(…).
9. Precedentes:AgRg no REsp 1180167/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe 07/06/2010; AgRg no REsp 675114/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe 21/10/2008; AgRg no Ag 733.398/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ 25/04/2007; REsp 675.433/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, DJ 26/10/2006;
10. Recurso especial não conhecido”. (Recurso Especial – REsp nº. 865.489 – Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça – Ministro Relator: Luiz Fux – DJe: 24/11/2010).
Ou seja, neste entendimento do STJ, mesmo para os casos ajustados em apartado, também teria havido a ciência e anuência do sindicado, comprovada pela assinatura e arquivamento do plano, ao contrário da conclusão defendida por este novo entendimento da Câmara Superior do CARF.
Além desta questão da participação sindical, vale destacar que, neste mesmo precedente (REsp nº. 865.469), o Superior Tribunal de Justiça determinou a anulação de autuações de PLR lavradas, por entender que “a evolução legislativa da participação nos lucros ou resultados destaca-se pela necessidade de observação da livre negociação entre os empregados e a empresa para a fixação dos termos da participação nos resultados, o PLR”, e que “irregularidades não afetam a natureza dos pagamentos, que continuam sendo participação nos resultados: podem interferir, tão-somente, na forma de participação e no montante a ser distribuído, fatos irrelevantes para a tributação sobre a folha de salários”.
Logo, o Superior Tribunal de Justiça defendeu que o PLR se destaca pela livre negociação (sendo certo que os requisitos da lei são meramente exemplificativos e não obrigatórios) e também que a natureza dos pagamentos como PLR não pode ser desvirtuada em razão do formalismo exagerado do Fisco.
Portanto, estamos diante de uma situação em que a Câmara Superior do CARF passou a defender a aplicação de requisitos e restrições que não estão absolutamente claros na legislação e que, em termos práticos, desestimulam o pagamento de PLR. Por outro lado, o espirito do legislador constitucional, ao criar o referido instituto, foi o de oferecer uma ferramenta de integração entre o capital e o trabalho, a qual precisa ser valorizada e estimulada pelas instituições, restando a esperança de que os tribunais superiores venham a consolidar entendimento mais razoável, factível e que defenda a intenção constitucional e a efetividade do instituto da PLR.
Fonte: JOTA, 01.11.2019