Por entender que a Lei 14.611/2023 — conhecida como Lei da Igualdade Salarial — criou demandas que invadem a liberdade empresarial, a juíza plantonista Pollyanna Kelly Maciel Martins Alves, da 14ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, concedeu liminar a 11 empresas de um mesmo grupo econômico para suspender a divulgação do relatório de transparência salarial exigida pelo diploma legal.
Considerada um marco na luta contra a desigualdade de gênero no Brasil, a Lei 14.611 estabelece diretrizes para que a igualdade de remuneração entre homens e mulheres seja alcançada no mercado de trabalho. Nesse sentido, a norma determina que empresas com cem ou mais empregados divulguem relatórios semestrais de transparência salarial. O objetivo é identificar e corrigir disparidades de remuneração para trabalhos de igual valor ou no exercício da mesma função.
O relatório é elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego com base em dados do e-Social, sistema de prestação de informações trabalhistas ao governo federal. Concluído o estudo, ele deve ser divulgado pelas empresas — que terão um prazo para apresentar um plano de ação para corrigir eventuais discrepâncias salariais.
No caso em questão, as empresas reclamaram que o órgão não explicou detalhadamente como elaborou o documento, nem deu chance para que eventuais diferenças de remuneração pudessem ser esclarecidas. Como o prazo estabelecido para a divulgação do relatório estava perto de terminar, as companhias entraram com pedido de liminar para suspender a publicação.
No pedido, dois atos normativos foram contestados: o Decreto 11.795/2023 — que regulamentou a Lei de Igualdade Salarial — e a Portaria MTE 3.714/2023 — responsável por detalhar o decreto. Isso porque, segundo as empresas, ambos lesam direitos e garantias individuais ao exigir o envio das informações sobre salários e a divulgação dos relatórios. As autoras da ação também sustentaram que a publicação dos relatórios gera preocupações em relação à privacidade de dados sensíveis dos trabalhadores; à preservação da imagem das companhias; e ao princípio da livre iniciativa.
Lei extrapolou
Ao analisar o caso, a juíza Pollyanna Alves apresentou as principais disposições contidas na Lei 14.611/2023. A julgadora registrou que, ao prever a publicação dos relatórios, a lei estabeleceu que os dados dos trabalhadores devem ser divulgados sob a condição de anonimato.
Além disso, a legislação determina que, caso seja identificada desigualdade salarial, a empresa deverá implementar plano de ação para mitigar o problema. Já na hipótese de a companhia descumprir a exigência de publicação do relatório, a lei prevê a aplicação de multa administrativa com valor correspondente a até 3% da folha de salários do empregador.
Ela destacou que o artigo 7º, inciso XXX, da Constituição proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão “por motivo de sexo”. E, embora a Lei da Igualdade Salarial busque concretizar tal premissa, a juíza entendeu que o cumprimento desse comando constitucional pode ser garantido por meio de “regular fiscalização dos órgãos competentes” e sem a “publicização das informações da empresa, ainda que mediante anonimização dos trabalhadores”.
“A empresa ficará obrigatoriamente exposta ao escrutínio público, se aplicadas as normas impugnadas, que são manifestamente exorbitantes do poder legislativo estatal, violadoras da cláusula constitucional do devido processo legal”, disse a juíza ao reconhecer a urgência da liminar.
Dados equivocados
Além da exposição de situações que merecem aprofundamento, é fato que muitas empresas discordam das informações e dados indicados no relatório. Quer-se com isso alertar que muitos dados apresentados, e que deveriam ser publicados, não correspondem à realidade.
Muito embora os dados utilizados pelo Ministério do Trabalho tenham sido, teoricamente, extraídos de bases legais (como o eSocial), a verdade é que muitas empresas não conseguiram confirmar os indicados no relatório.
Ora, se os dados utilizados na elaboração do relatório de igualdade salariam seriam aqueles enviados pelas próprias empresas, certamente o relatório deveria expressar justamente a realidade da empresa, e não informações divergentes.
Com exceção da classificação por “gênero” os demais dados (salário mediano, cargos) se mostraram diferentes daqueles apurados internamente pelas empresas. O que gerou mais questionamento foi justamente a classificação pelo grande grupo de CBO´s, que acaba por deformar a realidade.